Desenvolvimento de Carreiras

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Eu não quero ser chefe, quero ser Feliz

Nem todas as pessoas querem, um dia, ser chefe. Muitas nem tão pouco sentem vontade de explorar novas funções. Algumas pessoas desejam “apenas” ser muito, muito, muito boas naquilo que fazem.

Recordo-me do caso do João. Conheci o João quando eu era Diretor do Serviço a Clientes na TMN (atual Altice). O João tinha 21 anos e frequentava o curso superior de Engenharia Informática no IST, quando integrou o Contact Center da TMN, na linha especializada de apoio técnico a Clientes.

O João tinha entrado para o IST graças à sua elevada média, que lhe abria um leque alargado de opções, bem como pela facilidade com que compreendia lógica e matemática. Não era um curso que o apaixonasse. Contudo, diziam que oferecia “boas saídas”. Pelo que, na falta de melhor opção, orientou-se por ali.

A entrada para o Contact Center também tinha sido fruto do acaso. A vontade de juntar uns trocos para comprar uma mota fez-lhe prestar especial atenção à história do Pedro.

O Pedro era um amigo do João que tinha entrado para o Contact Center da TMN há mais de 6 meses e dizia estar satisfeito. Ganhava uns cobres. O ambiente era porreiro. Um sítio onde até se conhecia umas miúdas giras.

O João lá se ofereceu, a si próprio, a possibilidade de experimentar e, sem dificuldade, entrou.

Não demorou muito a perceber que gostava mais “daquilo” do que alguma vez tinha sonhado. Nem sabia bem explicar, mas a possibilidade de ajudar pessoas em dificuldade e transformar angústias em sorrisos enchia-lhe o coração. A tecnologia e as suas competências técnicas eram apenas ferramentas. Era a alma que colocava ao serviço daqueles que o procuram, aquilo que fazia a diferença – para os outros, e para ele.

Sim, quero crescer e ganhar mais, mas não quero gerir nem liderar pessoas

E a verdade é que o “puto” tinha jeito. Num estilo próprio, que juntava uma dose certa de humor a uma capacidade extraordinária de explicar por palavras simples tudo aquilo que era complexo, revelava uma naturalidade enorme em estabelecer empatia e laços com os clientes, que não lhe poupavam elogios. Alguns exigiam falar com ele, sempre que ligavam para lá.

A sua elevada performance não passou despercebida às chefias e, mais cedo do que esperado, começaram a chegar os convites para o João “progredir na carreira”, em conformidade com o seu desempenho, tal como era justo e suposto.

Foi aí que começaram a surgir as dificuldades.

Uns têm sonhos. Outros são os sonhos que os têm a eles.

O João adorava o que fazia, sentia que todos os dias aprendia algo novo, reconhecia que ainda tinha muito por aprender naquela função específica, e não tinha vontade nenhuma de mudar de funções… e, muito menos, ser chefe de quem quer que fosse.

E o chefe perguntou-lhe, incrédulo: “mas quem é que não quer ser chefe!? é uma subida na carreira, com mais responsabilidade, ao qual corresponde um vencimento melhor. não queres subir na vida!? não queres ganhar mais!?”.

E o João respondeu “sim, quero crescer e ganhar mais, mas não quero gerir nem liderar pessoas”.

Realmente, porque será que em muitas empresas, a progressão na carreira e o acesso a elevados níveis de rendimento está intrinsecamente ligada à correspondente ascensão hierárquica a cargos de crescente liderança?

Será possível imaginar uma empresa onde o Porteiro ganhe mais que o Presidente?

“De porta em porta até à derrota Final

Diversas organizações têm como “processo de construção de líderes” a prática de convidar os seus colaboradores a rodarem regularmente pelas diversas funções da empresa, em movimentos horizontais. Eu também concordo com esta abordagem, uma vez que oferece às pessoas a oportunidade de conhecerem as especificidades das diversas atividades da empresa, antes de ascenderem a funções de maior responsabilidade, para as quais importa ter uma visão transversal do negócio… desde que (muito importante) seja essa a ambição da pessoa.

Gosto de estabelecer paralelos com o mundo do desporto.

Pedir a um colaborador que deseja especializar-se numa determinada função, para rodar entre funções seria o mesmo que dizer à Rosa Mota: “Menina Rosa Mota, parabéns por mais esta maratona conquistada. Agora, Já chega de corridas. Vamos passar ao halterofilismo, ok?”. Depois da Rosa Mota responder, previsivelmente: “Não, obrigado, quero continuar a bater records de maratonas. Não gosto de levantar pesos, nem me parece que tenha jeito para isso…”, imagino o desabafo da respetiva chefia junto dos seus colegas “Oh pá… não sei se poderemos continuar a contar com esta rapariga. Ela parece muito pouco ambiciosa e pouco aberta à mudança”.

Querer bater novos records da maratona é ser pouco ambicioso!?

Não é para cima que todos os Santos ajudam

A ascensão a cargos de chefia e liderança é a única forma que muitas empresas (ainda hoje em dia) têm de proporcionar uma progressão de carreira aos seus colaboradores. No entanto, dessa forma, potenciam o famoso “Princípio de Peter”, que postulava “Num sistema hierárquico, todo funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência”.

Não tem que ser assim.

Voltando ao mundo do desporto. Numa equipa de futebol profissional, é normal encontrar jogadores a ganhar mais que o respetivo treinador. Porque será que, neste contexto, isto não faz qualquer confusão a ninguém, muito menos ao próprio treinador. Não há nenhum treinador no mundo que não desejasse ter na sua Equipa o Cristiano Ronaldo, e não há nenhum treinador no mundo suficientemente idiota que fosse estabelecer como condição para ter o Cristiano Ronaldo querer ganhar mais do que ele, tendo em conta ser treinador e o outro um “simples” jogador.

Será possível imaginar uma empresa onde o Porteiro ganhe mais que o Presidente?

Porque qualquer treinador no mundo sabe que o Cristiano Ronaldo não é um “simples” jogador.

Qualquer treinador sabe que o seu sucesso enquanto treinador está totalmente dependente do sucesso desportivo da sua equipa, e o sucesso desportivo da equipa está totalmente dependente do desempenho de jogadores fora de serie, capazes de fazer a diferença. Naturalmente que esse talento tem um custo. Custo esse que qualquer treinador adoraria poder suportar.

Do ponto de vista técnico, pouco terá o treinador para “ensinar” a um Cristiano Ronaldo. É pouco provável que o treinador seja a pessoa indicada para explicar-lhe como driblar ou marcar um livre. Então, qual é o papel do treinador? O papel do treinar é levar o Cristiano Ronaldo a acreditar que existem mais bolas de ouro para conquistar se trabalhar em conformidade para as conseguir.

Aqui quem manda sou Eu

Não se trata apenas de um tema de Política de Remunerações. Começa, antes de mais, por ser uma questão cultural. Conheço muitas empresas, onde as diversas chefias teriam imensa dificuldade em aceitar que alguns dos seus colaboradores ganhassem mais que eles próprios. Afinal, eles é que são os chefes.

Esta mudança cultural implica uma revisão do papel – e da contribuição – de cada um, para os resultados da organização. Existem pessoas na organização, que não são chefes de nada, nem de ninguém, cujo contributo se revela determinante para o sucesso da empresa.

Vivemos tempos de intensa transformação. Nas equipas de elevado desempenho, vamos encontrar, com crescente frequência, equipas compostas por elementos altamente competentes nas suas funções, demonstrando competências técnicas mais profundas que as respetivas chefias. Longe vai o tempo em que o Chefe dos Sapateiros era o que percebia mais de Sapatos.

Entrámos numa era na qual, o que se espera do Chefe dos Sapateiros não é que ensine os seus aprendizes a fazer sapatos, mas que extraia o máximo potencial dos verdadeiros artistas artesãos que tem ao seu dispor.

Isso não faz do Chefe dos Sapateiros mais importante que os Sapateiros, nem vice-versa. Cada um terá um papel crítico a desempenhar e deverá ser reconhecido em conformidade, existindo Sapateiros que desejam um dia vir a ser Chefes de Sapateiros e outros que aspiram “apenas” a ser o Melhor Sapateiro do Mundo.

Não se trata apenas de um tema de Política de Remunerações. Começa, antes de mais, por ser uma questão cultural

Será que o Chefe dos Sapateiros poderá desempenhar corretamente a sua função caso não perceba nada de sapatos? Não creio. É importante que entenda muito bem o negócio que gere. Contudo, isso não significa que seja especialista ou excelente executante de todas as tarefas.

Nesse contexto, importa reconhecer a diferença entre Competências Core e Competências Auxiliares. A Competência Core de um líder é a sua capacidade de Liderar Pessoas. O conhecimento técnico é uma competência importante, mas auxiliar.

O Monge que aprendia com os seus Discípulos

Olhar as diversas funções da organização segundo esta perspetiva, ajuda a construir um contexto onde seja possível encontrar técnicos especialistas a ganharem bem, em conformidade com as suas competências / responsabilidades / contributos, convivendo bem com chefias / líderes com outras competências / responsabilidades / contributos, a ganharem segundo um outro referencial.

Quanto vale a experiência, sensibilidade e experiência de um porteiro, na seleção criteriosa das pessoas que deixa entrar num espaço de diversão noturna, na consequente qualidade e reputação desses mesmo espaço?

Sim, será possível imaginar uma empresa onde o Porteiro ganhe mais que o Presidente, caso o contributo do Porteiro para a organização seja mais importante e estratégico que o papel do Presidente. Eu conheço muitas organizações onde os técnicos operacionais são ativos mais críticos e estratégicos que os respetivos Gestores / Administradores (sem desprestígio para os mesmos).

Este artigo não pretende desvalorizar a Importância das Chefias. É indiscutível que o sucesso de qualquer empresa depende muito da Qualidade dos seus Líderes. Mas não só. O melhor timoneiro à face da terra não consegue ganhar regatas sem remadores. O melhor maestro do planeta não toca nenhuma peça sem os seus músicos. É da excelência de todos que nasce a magia.

Hoje em dia sou Diretor Geral de uma empresa de Formação e Consultoria. Tenho consultores e formadores a trabalhar na minha empresa que ganham mais que eu. Não o faço para ser “bonzinho”. Faço-o por ter consciência que a existência da empresa e, consequentemente, a minha própria sobrevivência, dependem disso.

Tenho que me fazer rodear por profissionais altamente qualificados e competentes nas suas áreas, capazes de aportar aos nossos Clientes a qualidade de serviço que esperam de nós. Sozinho nunca o conseguiria. Estou inteiramente dependente deles. Profissionais com essas características não são baratos, mas não tenho alternativa. Tenho muito gosto em pagar-lhes o necessário para que se sintam felizes a trabalhar comigo.

Concluindo…

Considero extremamente importante que as Organizações escutem as ambições individuais dos seus colaboradores e procedam ao mapeamento dessas aspirações vs as necessidades da Organização. As Organizações nem sempre têm possibilidade de satisfazer as vontades de desenvolvimento de todos os seus Colaboradores. Nesses casos, deverá clarificar o colaborador, com a máxima honestidade e transparência.

No entanto, sempre que tal se revele útil para ambas as partes, importa antecipar (1.) Planos de desenvolvimento de carreira para Preparação de Líderes, bem como (2.) Planos de desenvolvimento de carreira para Especialização Profissional. Alinhados, mas independentes.