A Arte e Ciência do Improviso

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Em 2008 os cientistas, mas também músicos, Limb e Braun estudaram, através de ressonâncias magnéticas, o cérebro de um grupo de músicos de jazz. Na prática este exame mostrava a irrigação do cérebro dos participantes: quanto maior a quantidade de sangue numa determinada área do cérebro maior a sua atividade. Os cientistas descobriram que as áreas mais irrigadas do cérebro diferiam quando os músicos seguiam uma partitura ou quando improvisavam.

Quando seguiam uma partitura a área do cérebro mais ativa era aquela mais relacionada com o sentido crítico individual. ‘Estou a fazer bem?” “Não posso falhar”. Por outro lado, quando os músicos improvisavam a zona do cérebro mais ativa era aquela mais relacionada com a linguagem e criatividade. O ponto de destaque, para mim, é que este grupo de músicos quando improvisavam não inventaram novas notas musicais, nem tocaram músicas estranhas oriundas de um outro planeta. Tocaram um jazz puro e igualmente bem executado, mas com maior criatividade. Quando inquiridos os músicos revelaram maior prazer e realização quando tocaram de improviso. Na mesma ocasião foi também inquirida uma plateia de indivíduos, apreciadores de música e particularmente de jazz, que assistiram às performances dos músicos. A empatia e ligação emocional foi também maior com as partes tocadas de improviso. Foram posteriormente executados estudos semelhantes com rappers e artistas de teatro. Os resultados foram em tudo semelhantes.

E é aqui que gostaria de transpor esta experiência para o mundo dos contact centers. Uma atividade muito conotada com a repetição, com o seguimento de processos bem definidos e suportado por scripts de atendimento. Os operadores, se equiparados ao papel de músicos, tocam sempre de acordo com as partituras e sem poder fugir uma nota que seja. Quem recorre aos contact centers, muitas vezes depois de passar por assistentes virtuais e pelas músicas de espera, chega a um operador de “partitura”. Esta será, por certo, uma das razões para a mais comum das acusações dos clientes: parecem robots!

Mas então advogo que devemos deixar estes profissionais “à solta” sem scripts e a atender os clientes de “improviso”?

Não devemos confundir improviso com bandalheira ou ausência de regras

Atenção que não devemos confundir improviso com bandalheira ou ausência de regras. Antes pelo contrário. Como escrevi atrás os músicos de jazz que tocam de improviso (ou os rappers ou artistas de teatro que improvisam) são excelentes na arte que desempenham. Na verdade, o improviso obriga a conhecimento profundo das matérias. Ninguém pode falar ou responder satisfatoriamente sobre o que não domina. O improviso obriga também a foco. Foco em si mesmo, no conhecimento e no outro. No caso dos artistas, o outro é o colega com o qual divide o palco (no final tem de tocar e performar harmoniosamente) mas também garantir a satisfação de quem assiste. O improviso obriga ainda a muita formação e treino.

Obriga a muito trabalho de base e maturidade de todos os intervenientes

Retirar a “partitura” nos contact centers é possível. Mas é algo muito exigente. Obriga a muito conhecimento, formação intensa e muita prática. Obriga ao domínio das matérias, mas também ao conhecimento do cliente e como o interpretar, interagir e satisfazer. Obriga a muito trabalho de base e maturidade de todos os intervenientes.

Mas por outro lado pode ser maravilhoso. A satisfação e sentido de realização do operador é muito maior assim como a satisfação do cliente, que gosta de falar com quem sabe falar com naturalidade e conhecimento de causa e sem soar a robot. Se quisermos traduzir para a linguagem da atividade dos contact centers podemos dizer que os impactos no employee engagement e retenção de colaboradores são muito positivos a juntar às métricas de satisfação dos clientes. E a boa notícia é que já há gente a trabalhar desta forma e com experiência a pô-la a funcionar em contact centers. E é muito bom.