Honi Soit Qui Mal Y Pense – Quando, Para Assegurar a Perfeição…

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Quando, para assegurar a perfeição, devemos analisar o que estamos a fazer menos bem…

Há quase um quarto de século que me constituí como defensor de uma atividade que considero fulcral para o desenvolvimento económico: Os Contact Centers.

Inúmeras vezes tive e aproveitei oportunidades que me foram proporcionadas para contraditar as tão numerosas quanto imerecidas críticas que se acantonaram na opinião publica, mercê da ação insidiosa de alguns sindicatos e do eco que lhes é dado pela comunicação social.

Sabemos bem reconhecer que algumas dessas críticas são reminiscências do que a nossa Indústria foi há mais de 20 anos, mas esse tempo claramente já é pretérito.

Ainda assim, continuando a defender e prestigiar o Setor dos Contact Centers em Portugal, reafirmando os seus relevantes impactos na economia, no emprego e na balança comercial, entendo que quem quer contribuir para a perfeição de algo tem de se deter cuidadosamente sobre as práticas menos correctas, ainda que as encare sempre como exceções. Tal como um treinador, cuja equipa acabou de vencer um jogo por 3 golos, analisa os motivos pelos quais não ganhou por 4…

Os três aspetos sobre os quais proponho reflexão são: i) O reconhecimento interno, ii) A valorização dos recursos humanos e iii) O modus operandi do outsourcing.

O RECONHECIMENTO INTERNO

Para a esmagadora maior parte das Empresas, é cada vez mais clara a importância do Contact Center como meio privilegiado de contacto com os Clientes e como ferramenta crucial para a obtenção do seu designo principal: A maximização dos resultados, de forma sustentada, alicerçada na satisfação e fidelização dos Clientes.

Ainda assim persistem situações em que o Contact Center é encarado como uma maçadora indispensabilidade formal, aparentemente sem a devida preocupação com a qualidade do serviço prestado, como se fosse indiferente a apreciação dessa sua face visível que será feita pelos Clientes.

Para algumas Empresas, felizmente em cada vez menor número, o Contact Center é apenas um custo que não se pode evitar e que interessa minorar até onde seja possível. E os responsáveis da área são encomiados e remunerados em função das economias que conseguem gerar neste serviço, aparentemente sem preocupação com o grau de qualidade da sua prestação.

Não obstante a fixação obsessiva das áreas de marketing na procura agressiva de novos Clientes, impõe-se um acrescido cuidado com a manutenção dos Clientes já existentes e o Contact Center é o meio inelutável para esse desígnio.

Uma firme e cuidada estratégia de optimização da relação com o Cliente é, em última análise, o segredo para resistir às estratégias de marketing dos concorrentes, por mais agressivas que sejam.

Claro que o Contact Center não é um elemento de oposição a qualquer estratégia de marketing, antes é um meio de apoio à sua definição e implementação.

A VALORIZAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS

Apesar do considerável e incessante investimento em tecnologia, cada vez mais evoluída, sofisticada mesmo e desenvolvida predominantemente por Empresas nacionais e por técnicos Portugueses, os Recursos Humanos persistem como o fator decisivo para o sucesso de um Contact Center.

Claro que o Contact Center não é um elemento de oposição a qualquer estratégia de marketing, antes é um meio de apoio à sua definição e implementação

A recente evolução do mercado de trabalho faz-nos ainda mais incidir a nossa atenção sobre Agentes e Supervisores, Auditores e Técnicos da Qualidade, Formadores e Equipas de Gestão.

A era das baixas remunerações tem os dias claramente contados. Manter equipas de trabalho com remunerações pouco superiores ao salário mínimo nacional, num ambiente de procura de recursos que excede claramente a oferta é, pelo menos, imprudente e reflecte práticas de gestão de pendor suicidário, absolutamente nefastas para a sobrevivência das Empresas.

A associação das dificuldades de recrutamento com o peso do esforço das formações, inicial e permanente, dos Colaboradores e com a inevitável curva de experiência, exigida pela crescente complexidade das operações, fatores indispensáveis ao processo de otimização, devem conduzir as organizações para uma preocupação central: Reter e fidelizar também os Recursos Humanos do Contact Center.

Esta retenção e fidelização pode conseguir-se pela confluência de um conjunto de fatores, cuja valorização é diversificada conforme as aspirações e expectativas das várias gerações, não sendo suficiente o fator remuneração.

Não suficiente, mas nem por isso menos importante. Diz-se que a remuneração por si só não é motivadora, mas se for insuficiente torna-se desmotivadora.

O Estudo de Benchmarking da APCC indica que a RBM média de um Agente foi, em 2018, de 796€. Sem prejuízo de se assinalar que este montante representou uma melhoria em relação ao apurado no ano anterior, o seu valor absoluto merece reflexão, à luz da situação geral que se vive no mercado de trabalho.

Esquecendo por um momento a comparação com tarefas que o mercado disponibiliza e que são, pelo menos na aparência, mais sexies, tomemos por referência a RBM mínima praticada no Estado, que é actualmente de 635€, para um horário de 35 horas semanais.

Se tivermos em atenção que este valor corresponde a uma RBM de 725,71€ para um horário de 40 horas e que é o valor da remuneração atribuível às funções mais humildes e menos qualificadas no aparelho da Administração Publica, não pode deixar de causar inquietação que o salário médio pago a um Agente nos Contact Centers não o exceda sequer em 10% – mais precisamente 9,7%.

Esta é, portanto, a justificação para o inevitável acréscimo que se vai verificando nas RBM do Setor e para as perturbantes taxas de rotação que já começaram a ocorrer nas Empresas que mantêm RBM mais baixas.

E será que ninguém faz as contas ao custo comparado entre pagar melhor a um grupo formado, fidelizado, motivado e com elevadas performances, qualitativas e quantitativas, em contraponto com elevados custos de permanente recrutamento e seleção, tantas vezes mal sucedidos, equipas que não chegam a ficar tempo suficiente para fazer metade da curva de experiência, com níveis de desempenho inferiores, desmotivadas e passando esse caldo de instabilidade para a relação com o Cliente?

O MODUS OPERANDI DO OUTSOURCING

O recurso a Empresas especializadas para contratar a gestão operacional de Contact Centers em regime de outsourcing tem vindo a ser a opção mais utilizada por quem procura a otimização da sua relação com o Cliente.

Quer localizando as suas operações nas instalações do Outsourcer, quer acolhendo-o nas suas próprias instalações, o número de Empresas que optaram por esta via já representava, em 2018, 78% do total das operações existentes em Portugal, ainda de acordo com os dados do Estudo de Benchmarking da APCC.

Esta tendência revela bem o grau de elevado desempenho que é assegurado pelos Outsourcers que operam em Portugal e a decisão estratégica de quem a eles recorre de concentrar todas as suas capacidades e competências no que constitui o seu core business e contratar a especialistas a gestão operacional da relação com o Cliente.

Assim se conseguem obter níveis de performance que não estariam ao alcance de uma Empresa sem o grau de especialização da esmagadora maior parte dos Outsourcers em Portugal: processos de gestão de recursos humanos, de operações, de sistemas, em suma de todos os componentes que são os suportes da excelência.

Mas nem sempre este recurso ao outsourcing decorre da consideração das reconhecíveis vantagens operacionais atrás referidas. Ignorando, na aparência, o grande valor acrescentado que o Outsourcer pode aportar à operação, ainda existem situações em que se procura apenas a redução de custos, não a que resulta da optimização que o Outsourcer pode trazer, mas pela possibilidade de remunerar os recursos humanos abaixo do que seria normal para o Setor e para a importância da tarefa.

Esta prática, onde ocorre, espelha as duas questões críticas atrás referidas: a pouca importância que atribuem ao Contact Center e, por consequência inevitável, à relação com os seus Clientes e a menorização do papel dos recursos humanos.

Estas situações só são possíveis pela confluência de dois comportamentos anómalos:

  • Por um lado, a existência de Empresas contratantes que não valorizam o serviço que estão a contratar nem o seu objectivo, procurando apenas obter o mais baixo preço possível, com menos critério que o que utilizam na aquisição de qualquer bem ou serviço que utilizam;
  • Por outro lado, a existência de Outsourcers que, fazendo tábua rasa dos princípios que norteiam a sua busca de excelência, aceitam tarefas por preços que não lhes permitem remunerar minimamente bem os seus recursos humanos, tornando inviável a prossecução dessa excelência.

É com indisfarçável tristeza e com recalcada indignação que observo procedimentos concursais em que uma Empresa que está a ser bem servida por um Outsourcer resolve adjudicar as tarefas a outro Outsourcer, tendo apenas como referencial a diferença de preços, sem ter o cuidado mínimo em garantir que não existirão quebras de qualidade, com inevitáveis consequências para a sua relação com os Clientes.

Continuo a defender a nossa indústria como um dos mais sólidos fundamentos do desenvolvimento económico de Portugal, pela importância decisiva para as Empresas que serve através da sua relação com o Cliente

Também constitui para mim motivo de choque a evidente deslealdade competitiva com que alguns Outsourcers se propõem dar continuidade aos serviços prestados por um concorrente, utilizando os mesmo recursos humanos que por ele estavam a ser utilizados, mas propondo-se remunerá-los abaixo dos valores em curso. Esta prática é a maldição dos incumbentes, uma vez que a estes está legalmente vedado propor aos seus colaboradores redução de remunerações…

E isto sob a observação descuidada da Empresa adquirente, refugiada atrás do manto de “não temos nada a ver com isso, são decisões do Outsourcer”.

Não se deve concluir que eu sou contra a realização de procedimentos concursais ou que a relação com um Outsourcer tem de ser imutável. Nada disso, as regras de mercado exigem que existam essas consultas para garantir à Empresa adquirente as melhores condições possíveis em cada momento. Mas quem compra tem que se assegurar que as propostas lhe fornecem serviços de qualidade tão boa ou melhor que a existente e que as remunerações dos colaboradores não são alvo de infindáveis “saldos e promoções”…

Deve esperar-se que os concorrentes procurem destronar o incumbente? Claro que sim. Mas através de ganhos qualitativos visíveis sem acréscimo de custos para a Empresa adquirente ou de reduções de preço resultantes de procedimentos de gestão ou recursos tecnológicos ainda mais eficientes.

Isso sim, é concorrência! Leal!

“HONI SOIT QUI MAL Y PENSE”

A leitura de través das linhas acima pode deixar nos leitores a noção de que me juntei ao coro dos críticos da nossa actividade que tanto renego.

Nada mais longe da verdade!

Continuo a defender a nossa indústria como um dos mais sólidos fundamentos do desenvolvimento económico de Portugal, pela importância decisiva para as Empresas que serve através da sua relação com o Cliente.

Se refiro aquelas situações anómalas, faço-o com a certeza absoluta de que se tratam de ocorrências claramente minoritárias e que não são a realidade da generalidade do Setor. Mas não deixa de ser o combustível que alimenta a fornalha dos nossos críticos.

E mais sei ainda que, dentro desses raros casos, a generalidade tem como protagonistas Empresas que assumem comportamentos com que não concordam, por condicionamentos internos ou externos.

Mas a vocação de busca de excelência que constitui o cerne do ADN do nosso Setor vai fazendo o seu caminho e, muito em breve, estas raras exceções serão apenas um vestígio esquecido do passado.