“A história é uma velhota que se repete sem cessar”
Eça de Queiroz in “Cartas de Inglaterra”
As escaramuças que se desencadearam após a criação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, degeneraram numa sucessão de conflitos bélicos em larga escala, envolvendo quase todas as Nações daquele martirizado espaço geográfico.
O mais grave desses conflitos terá sido a designada Guerra dos 6 dias, em 1967 que, apesar da sua curta duração, resultou no bloqueio do Canal do Suez. Este bloqueio teve grandes consequências no trânsito e fornecimento de petróleo que, então mais ainda do que hoje, era a base do fornecimento da energia a nível global.
A inoperacionalidade do Canal do Suez obrigava a utilizar, como alternativa, a rota do Cabo, muito mais longa e, por isso, encarecedora do custo daquela matéria prima tão essencial.
A reação a este transtorno foi a construção de superpetroleiros, com mais de 500.000 toneladas, excedendo o limiar das 330.000 que era imposto pelo Suez. E já se projetavam unidades com 1.000.000 de toneladas.
Como reação a esta situação, o Governo de Portugal projetou, em 1971, o Complexo de Sines: Baseado num porto de fundos profundos e rochosos, adequado para receber os superpetroleiros. Sendo o primeiro porto Europeu com essas condições, garantia a Portugal o invejável papel de plataforma de distribuição de petróleo para toda a Europa.
Os trabalhos de construção iniciaram-se em 1973 e tiveram a sua conclusão em 1978. Infelizmente, perdoe-se-me a ironia, a situação no Médio Oriente teve um período de acalmia e o Canal do Suez foi reaberto em junho de 1975, oito longos anos após o seu encerramento.
Como consequências imediatas, entre outras, foram desmantelados todos os petroleiros com capacidade superior à permitida pelo Canal e foram também desmanteladas as esperanças de transformar o Porto de Sines na porta de entrada do petróleo para a Europa.
Por esta altura, imagino que os poucos resistentes que ainda estão a acompanhar este texto, parte por elogiável paciência, outros por natural curiosidade e uns raros por deferência pessoal pela qual estou muito grato, estarão a questionar-se: O que tem este texto a ver com a realidade dos Contact Centers ou com o tema da relação com o Cliente?
Permitam-me usufruir um pouco mais da vossa atenção para apresentar o meu ponto de vista.
A resenha histórica atrás apresentada não tinha como fito comprovar que as nossas pechas de planeamento não nasceram em 1974, são anteriores. O nosso último planificador genial terá sido o Sebastião José…
O ponto que eu queira provar é o dos inconvenientes de planear o futuro com base exclusiva nos acontecimentos do momento. Influenciados apenas pelas experiências da atualidade, olhamos para o futuro com menor clareza.
E isto vem a propósito do muito que se tem dito sobre o futuro pós-covid dos Contact Centers, o tão propalado “novo normal”
Penso que devemos introduzir uma opção de cautela quando projetamos o futuro da nossa Atividade
Penso que devemos introduzir uma opção de cautela quando projetamos o futuro da nossa Atividade. Não existe apenas um “pré-covid” e um “pós-covid”: São três os períodos definidos por esta malévola pandemia: o “pré-covid”, o “covid” e o “pós-covid”.
O período “pré-covid” é tudo o que nos lembramos da vida até fevereiro de 2020. Embora alguns consigam agora aí encontrar um mar de erros e inconvenientes na forma como operávamos, esse era o modelo estável de que tanto e tão justamente nos orgulhávamos. Opções tecnológicas de ponta, instalações modelares, gestão de Recursos Humanos otimizada, obtenção de resultados com satisfação para todos os envolvidos.
Não, não era perfeito. Nada é, na vida, como bem sabemos. Muito se podia ainda fazer para a conciliação das vidas pessoal, familiar e profissional – conciliação, não fusão, que faz uma amálgama da vida familiar com a vida profissional e aniquila a vida pessoal. Ainda carecíamos de avanços no reconhecimento e dignificação das profissões que suportam o nosso sucesso. As médias salariais careciam de melhoria que progressivamente se ia sentindo. Mas a preocupação com a otimização era, a todos os níveis, notável e até estes temas estavam no bom caminho.
O período “covid” é este modelo em que fomos obrigados a viver, baseado no teletrabalho generalizado. Também aqui devemos expressar orgulho pelo que conseguimos fazer. Como já foi abundantemente referido por todos, menos pelos nossos habituais críticos, fomos expeditos a criar segurança para os nossos Colaboradores e a Tecnologia permitiu-nos manter níveis de desempenho e de segurança da informação aceitáveis. Mas não devemos esquecer que não escolhemos este modelo de operar, que já conhecíamos há mais de 20 anos: Foi-nos imposto pelas circunstâncias. Achar que isto é o ideal que sempre devia ter sido e que o futuro está aqui, pode ser uma manifestação do Síndrome de Estocolmo…
O período “pós-covid” é o futuro, sobre o qual todos opinam, desde os que estão iludidos pela visão de “tudo vai regressar ao que era antes” até aos mais visionários adeptos do “nada será como antes”.
Este futuro tem ainda uma incerteza considerável: ainda não nos é dado saber quando terá o seu início.
E as realidades que vão presidir à sua definição são ainda largamente desconhecidas para nós
E as realidades que vão presidir à sua definição são ainda largamente desconhecidas para nós. Sejamos, então, prudentes no desenho de decisões que possam constituir condicionantes ao nosso sucesso e, até mesmo, à nossa sobrevivência futura. Sem cair nos extremos do “vai tudo voltar a ser igual” ou “nada será como antes”. E sem fundamentalismos!
Reparo agora que me aproximo do final deste texto e falta ainda abordar um dos temas referidos no título: O valor económico da solidariedade.
Tenho que confessar que tenho sentimentos conflitantes quando comparo a grande segurança proporcionada a todos os Colaboradores do nosso Setor com a forçada insegurança a que estão votados aqueles de quem dependemos, seja nos supermercados, na segurança ou nos cuidados médicos, apenas como exemplos.
E não consigo evitar preocupar-me com as consequências do teletrabalho generalizado para a restauração e para o pequeno comércio das zonas de serviços mais importantes, designadamente nas grandes cidades.
Penso que devemos ter tudo isso em perspetiva quando definimos rotas para o futuro da nossa Atividade. A ideia de que um setor como o nosso pode sobreviver numa Economia marcada por centenas de falências de Empresas, pelo desemprego de centenas de milhar de trabalhadores, pelo agravamento de défices e contas públicos, pode constituir uma ilusão de graves consequências.
A política é a habilidade de prever o que vai acontecer amanhã, na semana que vem, no mês que vem e no ano que vem. E ter a habilidade de explicar depois por que nada daquilo aconteceu.
Winston Churchill
Ao contrário do que parecem estar a fazer muitos cientistas, um pouco por todo o mundo, não podemos cair no vicio do raciocínio político, tal como o definiu Winston Churchill.
Boa saúde para todos vós e muito obrigado aos raros que possam ter tido a gentileza de chegar ao fim deste texto.