Conforme nos vamos podendo distanciar, no tempo e emocionalmente, dos piores tempos que todos vivemos com a recente crise pandémica começamos a poder entender e avaliar melhor os seus impactos. Afinal o que mudou e o que ficou na mesma? Sou tentando a concluir que está tudo na mesma mas, ao mesmo tempo, nada está na mesma. Mas vamos por partes.
Começando pelos modelos de trabalho: abruptamente passamos de modelos presenciais e com pouca aderência ao trabalho remoto para um momento em que a grande maioria dos profissionais passou a trabalhar remotamente. E conforme a pandemia foi sendo controlada passou-se para um modelo hibrido em que os profissionais comutam entre os escritório fisico e o home office. Tudo em pouco mais de um ano. E hoje tudo é possível, dependendo das organizações, sua natureza, geografia a atividade. As empresas mais tradicionais, na forma de gerir e com grande exposição ao real estate, tendem a acelerar o regresso ao modelo presencial nos escritórios e estão a fazê-lo rapidamente. Depois há uma série de empresas, mais ágeis e/ou born digital que optaram imediatamente por modelos completamente remotos ou com discretos pontos de contacto físico. E uma franja significativa que optou pelo que se passou a chamar de modelo híbrido, alternando o home office com o trabalho no escritório. Este modelo foi muito impulsionado por questões logísticas mas também por questões emocionais. Desde a cultura e sensação de pertença até à ainadaptação de alguns bons colaboradores aos modelos de home office. Nos contact centers passamos por tudo isso e por todos esses modelos. Os principais desafios tecnológicos e de modelos de governança foram ultrapassados. Mas os modelos operacionais, de gestão, tecnológicos e financeiros estão longe de estar estabilizados.
Depois olhemos para o comportamento dos consumidores/clientes: estes foram obrigados a acelerar a sua literacia digital e tecnológica. Com as medidas de contenção pandémica as pessoas passaram a ter de interagir mais através de canais remotos. E a ter de conviver mais com assistentes virtuais, bots e chatbots. E as empresas para poderem otimizar ao máximo os seus serviços, sem desperdicio de recursos, aceleraram a oferta de mais de canais e passou, finalmente, a ser possível a impossível omnicanalidade (que mais não é que oferecer a mesma experiência ao Cliente independentemente do canal que utilizam para interagir e sem perda de contexto nas suas interações). E os estudos recentes mostram que cresceu a oferta de canais, que os Clientes utilizam todos os canais de contacto e que todos os canais cresceram em volumetria. E hoje temos físico, presencial, remoto, digital. Tudo.
E a exigência dos Clientes também aumentou significativamente. As experiências e a exposição por que passaram na epidemia faz com que os Clientes passem a não se importar de ser atendidos por bots e chatbots desde que eficazes e que os entendam a primeira e resolvam mesmo. Gostam de utilizar canais remotos e de selfcare desde que funcionem muito bem e sejam consistentes e disponíveis. Quando necessário querem falar com agentes humanos que os entendam e ajudem nas questões mais complexas e emocionais. E reagem mal à não possibilidade de o poder fazer. Como também reagem mal se os agentes humanos não apresentarem bons soft skills e conhecimentos e formações à medida do que precisam. Tudo isto emerge em todos os estudos conduzidos nos últimos meses, independentemente da geografia.
Outra mudança de comportamento que veio com a pandemia é o chamado “terceiro pico de trabalho”. Tradicionalmente, os colaboradores das empresas tinham dois picos de produtividade em seu dia de trabalho: antes do almoço e depois do almoço. Mas quando a pandemia colocou tantas pessoas no modo de home office, um terceiro pico surgiu para o final da tarde ou para algumas horas antes de dormir. Este fenónemo foi detectado pelos data scientists da Microsoft quando os dados de utilização do MS Teams no início da pandemiapassou a demonstrar este “terceiro pico de trabalho”. E mostra que algumas pessoas, por comodismo ou pressão da manutenção do posto de trabalho, se acostumaram a este “terceiro pico” o qual tem claro impacto, principalmente para as empresas que escolheram a transição para modelos de trabalho híbrido. Esta mudança de comportamento impacta claramente a nossa industria dos contact centers. Primeiro no planeamento dos perfis de atendimento pois leva a mudanças de comportamento de contacto por parte dos Clientes, depois na própria gestão de operações pois como apoiar e governar colaboradores que trabalham em horários não tradicionais passou a ser um novo desafio. E finalmente os impactos no bem estar e na saúde mental dos colaboradores.
E não podemos deixar passar o que mudou na vida das pessoas que trabalham nos contact centers. Muito mudou como vimos atrás. Os colaboradores de contact center partilham hoje a sua missão de suporte e satisfação de clientes com entidades não humanas. Autênticas células de trabalho hibridas. E isso veio para ficar. E pode ser bom. Mas por enquanto ainda denota visíveis insuficiências. Esperava-se que os agentes humanos se focassem nas questões mais complexas e emocionais mas o que tem acontecido frequentemente é que, para além dessas, tem de lidar com a pressão da insatisfação da insuficiência do suporte digital. Muitas vezes sem as ferramentas de suporte mais adequadas, adicionadas a todo um desgaste de mudança de modelo de trabalho e governança. O cansaço mental e emocional juntou-se a alguma exaustão física. Daí o aumento de casos de burnout e o aparecimento de fenómenos novos como a Great Resignation. Hoje, na nossa industria, em algumas atividades e geografias tornou-se mais dificil que nunca recrutar e reter os colaboradores. E é já prática corrente a remuneração da própria entrevista de emprego.
O bem estar dos colaboradores, independentemente do modelo de trabalho, passou ainda mais para a primeira linha das prioridades. Nos contact centers já existia a preocupação e foco nos aspectos fisicos (ergonomia, condições de trabalho, a proteção da voz e da vista). Hoje são mais visíveis os esforços para a defesa do bem estar emocional. São muitos os casos de apoio psicológico profissional, progamas de bem estar mental e emocional e foco no Employee engagement e satisfaction.
Como se viu tudo está mais complexo e muito diferente, apesar de muito se manter igual. Desafiante.