Time Confetti e o Paradoxo da Autonomia

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Quando olhamos à volta, onde quer que estejamos, vemos que as pessoas estao grudadas nos seus smartphones. Muitos estarão, inclusive, a trabalhar. É esse o paradoxo da autonomia: adoptamos tecnologias móveis para ganhar mais autonomia e acabamos por ter menos autonomia porque acabamos por trabalhar em qualquer local.

Quando falo em trabalho não me refiro ao teletrabalho ou trabalho remoto. Esse acaba por ser uma transposição física de um posto de trabalho corporativo para um qualquer local onde possamos trabalhar. Seja em casa, num espaço de co-working, algures outdoor. Mas geralmente transpõe as regras e os horários de trabalho.

O que se passa hoje em dia é que fora dos horários e espaços de trabalho (corporativos ou remotos) onde, geralmente, o tempo era consumido em actividades de lazer, hoje esses espaços são constantemente interrompidos pelos nossos smartwatches, smartphones, mensagens de wattsapp e emails. E muitas vezes a essas consulta segue-se uma resposta e até mesmo uma conversa telefónica.

Este fenómeno, de pequenas janelas temporais dedicadas ao trabalho e que interrompem e descontinuam um periodo anteriormente longo dedicado ao lazer foi baptizado de Time Confetti (créditos e autoria: Brigid Schulte).

E esses Time Confetti, por serem de curta duração, parecem negligenciáveis e não trazer impacto de maior. Em alguns casos demoram segundos. Mas estudos mostram que, se usarmos como base uma hora (por exemplo das 7 as 8 da noite), o somatório desses momentos de trabalho chega facilmente aos 6-7 minutos. Estamos a falar, de forma conservadora, de 10% do tempo. E facilmente de 60 a 90 minutos diários.

Estar com a cabeça no trabalho enquanto se está a tentar relaxar não é agradável

Os impactos no nosso equilíbrio psicológico e emocional são evidentes. Quem nunca esteve num jantar com os amigos mas simultaneamente com um olho no smartphone e nas coisas do trabalho? E quem nunca esteve no ginásio e a responder a mails e watssapp entre exercícios? E a consultar mails durante a festa da escola dos filhos? E muitas vezes com um sentimento de culpa por não estar a trabalhar. E estar com a cabeça no trabalho enquanto se está a tentar relaxar não é agradável. Muitas vezes acaba mesmo em ataques de pânico. E em dúvidas existenciais: se não responder serei um mau empregado? Se responder serei um mau pai? Uma chatice.

E saltitar entre períodos de lazer e os curtos tempos de trabalho fora do horário de trabalho (os tais Time Confetti) não é tarefa fácil. Até cognitivamente não se saltita de um lado para o outro facilmente. Geralmente o que fazemos? Procuramos tarefas mais curtas que se encaixem entre os tempos de trabalho fora do trabalho. Por exemplo vemos uma série de 45 minutos em vez de um filme de 2 horas. Inclusive muitas vezes fazemos várias pequenas tarefas ou recados para ficarmos com a sensação que estamos a ocupar o nosso tempo de lamasery ser em lazer. Uma verdadeira ratoeira que pregamos a nós próprios: “estou no pleno controle do meu tempo livre”.

Mas o que fazer? Na verdade, e para todos os efeitos, andamos com uma extensão do trabalho no bolso ou na palma da mão. Alguns países e entidades procuram não permitir o trabalho fora do horário/espaço de trabalho. Outros estudam remunerar esse tempo estimado de trabalho fora do horário de trabalho. Mas o que é certo é que toda esta realidade faz parte do workplace contemporâneo. E encontrar equilíbrios e evasões efectivas é um desafio cada vez mais coletivo. Mas que só encontra solução e expressão no indivíduo.

Andamos com uma extensão do trabalho no bolso ou na palma da mão

Ou então procurem respostas e inspiração nos profissionais operacionais dos contact centers. Nas carreiras de contact center os Time Confetti fazem parte desde a primeira hora em funções. Há sempre a eventualidade de uma emergência ou algo muito grave que só nós podemos resolver. A vantagem dos novos tempos e que agora podemos fazê-lo de forma remota a partir de um smartphone ou portátil. Antes tínhamos de nos deslocar ao contact center ou fazer de algum colega no local os nossos olhos e mãos. E sempre procuramos equilibrar a vida pessoal com a profissional.
Foi sempre assim, por natureza do trabalho e das pessoas.